Quero ser músico entrevista: Ciro Visconti

Cursos Técnicos

Ciro Visconti é um músico que transitou por diversas áreas, é guitarrista, educador, coordenador pedagógico do Curso Técnico de INSTRUMENTO do Souza Lima. Se desenvolveu como docente no Souza Lima, recebendo suas primeiras oportunidades no ensino da Harmonia Tradicional e Contraponto.

Então hoje a série Quero ser Músico Entrevista retorna trazendo mais uma área complementar da formação e atuação do músico: a Ênfase ao ROCK, e o que compreende as iniciativas e pesquisas no Brasil.

ENTREVISTA #18

Nome: Ciro Visconti

Cidade Natal: São Paulo

Ano de Nascimento: 1968

Instrumento: Guitarra

Formação Acadêmica: Bacharel em Instrumento (Guitarra), Mestre em Processos Composicionais, Doutorando em Teoria Musical.

1) Em que ano iniciou sua carreira como músico profissional?

Em 1991. 

2) Quais áreas atua ou atuou diretamente como músico profissional?

Como guitarrista, já atuei em bandas autorais e covers de diversos gêneros musicais, em gravações e também como sideman. Além disso, também trabalhei como compositor de trilhas sonoras para teatro e curtas-metragens, como arranjador e como produtor musical de shows e gravações.

Leciono guitarra, teoria musical, harmonia, contraponto, análise e prática de bandas no Conservatório Souza Lima a desde 1999 e paralelamente dei diversas palestras e workshops em várias cidades, tanto no Brasil como no exterior.

“…tenho me dedicado muito à pesquisa acadêmica…”

Na última década, também tenho me dedicado muito à pesquisa acadêmica, e isso ampliou bastante a minha atuação como professor e palestrante e abriu diversas novas possibilidades profissionais para mim.

3) Como avalia a formação do músico brasileiro nos dias de hoje se comparada com sua formação musical adquirida? 

Essa é uma pergunta interessante porque ela precisa ter uma avaliação por dois pontos de vista. Por um lado, eu percebo que os músicos atualmente procuram e se preocupam muito mais com a titulação e porque a oferta de vagas em faculdades de música cresceu muito, eu diria que hoje existam muito mais músicos com diploma do que há 20 anos atrás.

“…as deficiências de um preparo básico e a inexperiência profissional podem dificultar sua carreira como músico.”

Por outro lado, no entanto, vejo que o preparo para o aluno entrar em uma faculdade de música fica cada vez menor, pois a grande oferta de vagas facilitam cada vez mais as provas de vestibular e, em muitos casos, alunos praticamente iniciantes já iniciam a graduação. O problema disso, é que após graduado, por mais que ele tenha adquirido conhecimentos no curso, as deficiências de um preparo básico e a inexperiência profissional podem dificultar sua carreira como músico.

4) O músico brasileiro formado hoje está mais preparado para atender ao mercado de trabalho que nas décadas anteriores? 

De modo geral, acho que está menos preparado pelas razões que disse anteriormente. Mas, é claro que há muitas exceções. Em todas as gerações de estudantes de música é possível encontrar aqueles alunos que são mais dedicados e que acabam correndo muito mais que os demais atrás de conhecimento técnico e teórico. 

5) Entre as atividades que exerce como professor, como avalia esse novo ciclo de estudantes, que ao mesmo tempo possui muitos recursos tecnológicos, mas que ainda parece necessitar amadurecimento quanto a um melhor uso? E como o educador musical pode extrair da tecnologia incentivo e elementos para a formação?

É certamente um desafio lecionar para esta nova geração de alunos que tem acesso tão rápido e fácil a informação. O problema essa informação rápida nem sempre é de qualidade, ou então não é apropriada para o nível do aluno.

“…essa informação rápida nem sempre é de qualidade, ou então não é apropriada para o nível do aluno.”

Apesar de ser adepto da tecnologia e considerar que um professor deva utilizar todas as ferramentas que estiverem a sua disposição, também considero que ele tem que orientar quanto aos problemas que a tecnologia pode causar na evolução dos alunos.

Veja alguns exemplos na minha área: por ter sempre a mão (nos celulares, computadores, etc) um afiador eletrônico, percebo que os alunos acabam não aprendendo a afinar a guitarra e consequentemente não sabem quando ela está desafinada; a grande oferta de tablaturas nos sites, acabam tirando o estímulo dos alunos em aprender a ler partitura; o fato de um aluno achar praticamente qualquer música transcrita (quase sempre em tablatura) nos sites e blogs, acaba fazendo que ele não aprenda a tirar músicas de ouvido, uma atividade que sempre considerei importante para o desenvolvimento musical.

Certamente, existem pontos em que a tecnologia ajuda e muito, mas é tarefa do professor determinar quais dessas ferramentas serão usadas em aula e como.

6) Observando sua carreira como educador e em especial com o ROCK, como verifica o amadurecimento em plano global em uma didática específica como linguagem da música popular – algo que ocorreu no jazz na década de 1950, e dominou a educação de tal forma para a música popular, que parecia uma via de mão única ao aprendizado? Tem ocorrido algo parecido desde os anos 2000 com o choro no Brasil, são novos percursos que renovam a visão da educação para a música popular?

Certamente, o Rock é um gênero de música popular que apesar de sua ampla divulgação na mídia, passou a ter uma pesquisa acadêmica específica muito depois que a maioria dos demais. Durante muito tempo a academia considerou que não tinha muito conteúdo a ser pesquisado no Rock, e ele seria determinado como gênero mais pela sua instrumentação (baterias e baixos pesados, guitarras distorcidas, vocais agressivos, etc.) e por suas atitudes sociais.

Essa situação mudou muito desde a primeira década dos anos 2000. Cada vez mais, doutores e pesquisadores americanos passaram a se dedicar à pesquisa do Rock e a determinar questões que são essenciais na harmonia, na forma, no ritmo, na condução das vozes, e em muitas outras áreas do conhecimento que são essenciais para a consolidação do gênero.

Aos poucos estas áreas se dividiram em disciplinas e hoje diversas universidades americanas passaram a contar com um departamento de rock em seus cursos de música. No ano passado estive no 40th Society for Music Theory Annual Meeting, em Arlington/VA, certamente um dos maiores (se não o maior) congressos de teoria musical do mundo e a quantidade de trabalhos e palestras dedicados ao Rock era impressionante.

No Brasil, essa tendência de crescimento da pesquisa em Rock está ainda no começo, mas há uma boa expectativa para seu crescimento nos próximos anos. Certamente, com uma pesquisa acadêmica tão expressiva, a tendência é que o Rock tenha cada vez mais espaço nos cursos de graduação e nos cursos técnicos, uma vez que sua presença em cursos livres já é bastante comum.

7) Ainda sobre a questão: a educação da música popular desde o surgimento no Brasil da década de 1980 parece bastante excludente, como renovar essa perspectiva sem ser algo que gere ruptura? O que aproveitar e como traçar em paralelos as ações perante o choro, a música brasileira, o jazz, e de forma bem-vinda o rock? 

Essa excludência gera uma situação complicada no ensino superior de música popular e, consequentemente, na formação de profissionais, tanto nos aspectos práticos, como nos teóricos. Certamente, um cantor, um guitarrista, um baterista, um baixista ou um tecladista graduado em música popular terão muito mais campo de atuação se dominarem técnicas e linguagens que são próprias do Rock e do Pop.

Mas, além disso, existem questões sobre harmonia, por exemplo, que são próprias do gênero e que não são abordadas de jeito algum na disciplina que é normalmente chamada de harmonia Popular, o mesmo ocorre no conhecimento das formas, ritmos, etc. Essa defasagem é limitante aos profissionais de música popular.

Acho importante que os cursos incorporem estes conhecimentos específicos e considero que isso não significaria necessariamente uma ruptura nos programas, mas, ao contrário, um enriquecimento, pois ficariam ainda mais completos.

8) Como organiza a rotina de estudos aplicados ao instrumento, a atuação docente, e a tarefa de pesquisador, ciente de seu doutoramento em curso?

As minhas pesquisa em análise composição e, sobretudo, em teoria musical mudaram muito a minha maneira de tocar ao longo dos anos. Por exemplo, minha pesquisa mais recente envolve muitos conceitos de matemática e geometria, como teoria dos conjuntos e teoria de grafos, por exemplo.

Aplico este estudo não apenas como compositor, mas utilizo para determinar estratégias de improvisação, para criar exercícios de técnica, etc. na medida em que a minha maneira de tocar se modificou nos últimos anos, a minha atuação como professor de guitarra também se desenvolveu em direções muito diferentes, uma vez que posso adotar estes exercícios e estratégias com os meus alunos, sobretudo aqueles em um estágio mais avançado de estudo.

9) Sobre seus projetos artísticos, muito se destacou a Orquestra de Guitarras, a banda Diafanes, e bandas cover; como conduzir uma carreira tão diversificada? Qual ação o futuro músico precisa possuir para gerenciar sua carreira?

O campo de atividades de um músico pode ser tão diversificado que eu considero uma tarefa muito difícil orientar um profissional no gerenciamento de sua carreira. Pessoalmente, eu considero que a vontade de experimentar novas possibilidades e sonoridades sempre conduziram a minha carreira.

Por exemplo, em 1997 com alguns amigos guitarristas, um projeto chamado Quadrivium que era um quarteto de guitarras com um repertório dedicado a música erudita, algo que era completamente novo para mim. Esse grupo gerou tantas pesquisas e experiências novas que pautaram minha vida por muito tempo. Este conhecimento, foi essencial, por exemplo, para formação da Orquestra de Guitarras Souza Lima, um projeto que tive o privilégio de participar e conduzir por 12 anos.

O mesmo aconteceu com o Diafanes que é uma banda que sempre teve como princípio explorar sonoridades que eram novas para nós e isso abriu muitas possibilidades para mim como guitarrista e como compositor. Acho que a busca por essas novas experiências é essencial para a condução de uma carreira musical, mais ainda do que estratégias específicas de mercado, apesar de entender que existam também muitos avanços importantes nessa área nos últimos anos.

10) Como o educador/pesquisador/instrumentista, verifica a projeção do músico com a renovação do mercado, e o iminente processo observado na redução de leis de incentivo, diminuição das bolsas acadêmicas, e o cerceamento ainda maior dos meios de comunicação? Como consolidar uma carreira em um futuro que parece bastante nebuloso?

Pois é, aparentemente teremos um ciclo difícil pela frente. Acho que a única maneira de enfrentarmos ciclos desfavoráveis é nos qualificarmos mais em todos os sentidos. Nestes tempos, as melhores oportunidades ficarão para os músicos mais competentes, organizados, responsáveis e com habilidades de trabalhar em conjunto. Considero que este é um momento em que todos devem investir mais em conhecimento porque isso será decisivo para superar esse ciclo.

Acredito que eventualmente os ventos mudarão novamente e a arte, a cultura, a pesquisa e tantas outras áreas que hoje são negligenciadas voltarão a ter o valor que merecem, mas, é importante conseguir atravessar esses momentos difíceis sem esperar muito de vontade política de quem dirige o país. 

Ciro Visconti agradeço a entrevista. 
 
Entrevista realizada por e-mail, em 21 de outubro de 2018.
Pós Graduação