Quero ser músico Entrevista: Marcelo Coelho

Cursos Técnicos

Marcelo Coelho é um músico que representa diversificação.

Educador. Instrumentista. Compositor.

Coelho é representante de uma primeira geração de músicos populares graduados. E que tornaram-se acadêmicos, mestres, doutores, e até pós-doutores da música popular, e ainda dividindo atenção entre a prática comum, àquela que todas conhecem do músico, e muitíssimas variações profissionais dentro da educação musical.

O blog se orgulhar em realizar uma entrevista tão esclarecedora, cumprindo o objetivo da série: Orientar futuros Músicos dos passos a seguir em suas carreiras.

ENTREVISTA

Nome: Marcelo Coelho

Cidade Natal: Itabira – MG

Ano de Nascimento: 1972

Instrumento: Saxofone

Formação Acadêmica: Pós-Doutorado em Composição

Formação Livre: Instrumento e composição

1) Em que ano iniciou sua carreira como músico profissional?

Em 1987, após o meu ingresso na antiga Escola Técnica Federal do Espírito Santo, hoje denominada CEFET.

2) Quais áreas atua diretamente como músico?

Eu atuo de maneira efetiva nas áreas de performance como instrumentista, composição, educação e empreendedorismo, uma área do conhecimento que tornou-se obrigatória na formação do músico contemporâneo. Já atuei bastante também na área da pesquisa por conta da formação acadêmica.

3) Da vinda do Espírito Santo para São Paulo, mais precisamente para Campinas, UNICAMP, como foi a avaliação e troca de ambiente? Quais as diferenças na formação musical que havia obtido no Espírito Santo em comparação a universidade de outro estado e de enfoque popular? Ainda mais avaliando que naquele momento a UNICAMP oferecia um dos poucos cursos brasileiros com enfoque em música popular, e entre as universidades públicas ainda segue pioneira, e pouquíssimo acompanhada.

Eu considero que a minha formação musical iniciou de fato com o meu ingresso no curso de bacharelado em Música Popular, Unicamp, em 1994. A fase que antecede a graduação, de 1987 a 1993, em Vitória, ES, foi relevante devido à minha estréia precoce como profissional no mercado local. Isso me ajudou a tomar a decisão em seguir na carreira.

A UNICAMP foi muito importante para a definição do meu perfil como músico.

À época, Campinas concentrava um número significativo de músicos de várias partes do país que tinham interesse na formação acadêmica em música popular. Dentre os meus contemporâneos estão o baterista Edu Ribeiro, o saxofonista Felipe Salles, o violonista e compositor Chico Saraiva, a pianista e compositora Ana Luiza Fridman, o pianista Pablo Lapidusas, o arranjador Rodrigo Morte, o ‘Barba’ – líder do grupo Barbatuques, e tantos outros.

4) Dentre a finalização do curso e a obtenção do título de Bacharel em Música pela UNICAMP, como se deu a aproximação da carreira acadêmica que o levou ao EUA para o mestrado?

Eu fui o primeiro estudante do curso de música popular da UNICAMP a receber duas bolsas de iniciação científica. Esta experiência me aproximou do mundo acadêmico, a forma de pensar e trabalhar com a informação, sem contar com as possibilidades financeiras para um estudante em formação. Por conta deste contato, eu fui contemplado com uma bolsa do governo brasileiro denominada APARTES para a realização do mestrado em Jazz Performance nos EUA. Me recordo que na última fase do processo, os finalistas participavam de uma entrevista presencial. Todos vinham da música erudita, a banca era formada por professores acadêmicos da área erudita, mas para minha surpresa, eles estavam muito interessados em músicos populares que tivessem interesse na formação acadêmica. Tenho a impressão de que eu abri uma porta. Nos anos subsequentes, vários outros músicos populares também foram contemplados, dentre eles o Rodrigo Morte também professor da Faculdade de Música Souza Lima.

5) Seu regresso ao Brasil coincide com a fundação da Faculdade Souza Lima e Berklee, que desde o princípio vem atuando no corpo docente. Qual a importância desse tipo de iniciativa no Brasil? E o que o mestrado realizado nos EUA trouxe de experiência letiva para a formação do jovem músico brasileiro?

O curso de graduação do Souza Lima proporcionou ao mercado a oportunidade de formação de um músico popular voltado à atuação prática em nível internacional. A minha chegada nos EUA foi muito difícil por conta da defasagem na minha formação enquanto instrumentista. Apesar de todos os esforços, a UNICAMP não preparava o estudante para um mercado competitivo cuja base está na formação. O Souza Lima montou um corpo docente com professores músicos que tinham muita experiência e reconhecimento como o baixista Sizão Machado, os bateristas Bob Wyatt e Nené, o pianista André Marques, e outros mais jovens recém-chegados do exterior como o baterista Carlos Ezequiel, eu, o próprio coordenador do curso; o arranjador Daniel Maudonnet, o já citado Rodrigo Morte, o maestro Marcello Stasi, e outros. Por conta disso, o Souza Lima começou a participar dos encontros internacionais de escolas de jazz com professores e alunos que colaboravam e participavam de maneira efetiva com outros músicos e estudantes. O mestrado nos EUA e o período que fiquei por lá atuando como músico me prepararam e qualificaram para o projeto da faculdade.

6) Na USP fundou-se recentemente o curso de Viola Caipira, iniciativa do pesquisador Ivan Vilela, primeiramente em Ribeirão Preto, e agora transferido para São Paulo. Como avalia a formação oferecida ao músico brasileiro pelas universidades e faculdades no objeto de estudo música popular? O músico popular graduado está pronto para atuar em um mercado fonográfico tão amplo e diversificado? 

Os cursos de música popular no Brasil estão se adequando às demandas de um mercado que está em grande transformação por conta das inovações tecnológicas. Com a mudança no modelo de governança do mercado, antes sob o controle das gravadoras e agora acessível a todos, os músicos se viram na função de tomar as rédeas da carreira surgindo assim DIY musician. Percebo que tudo isso ainda está em formação e as instituições educacionais estão também se organizando para este novo momento. As universidades públicas sofrem com a grande demanda burocrática, o tempo é mais lento e isso interfere na formação do estudante. Contudo, iniciativas como a proposta pela USP, conhecida pela forte tradição acadêmica erudita, demonstra que o tópico música popular demanda atenção devido a sua grande relevância.

7) Poucos músicos compreendem a importância da reciclagem e aprimoramento. É provavelmente um tabu similar a formação do músico popular nas décadas de 1980 e 1990. Como se deu o desenvolvimento da pós-graduação em Música Popular que coordena? E como despertar e destacar a importância da renovação para uma geração de músicos que hoje está ao menos graduada? 

A pós-graduação do Souza Lima foi criada para a capacitação do músico popular. São diversas as frentes de atuação possíveis no mercado e o curso apresenta de maneira abrangente o conhecimento que consideramos essencial na capacitação deste músico para atuarem em várias destas frentes. Creio que a nova geração está mais graduada no que diz respeito à formação acadêmica, são muitas as oportunidades de formação. Tenho dificuldade em saber se os ingressantes estão também mais preparados musicalmente mas tenho a tendência em achar que sim. A grande facilidade de acesso a informação, a enorme quantidade de músicos cada vez mais precoces e o surgimento de ícones pop como o Jacob Cullier cujo o maior ativo é justamente o grande conhecimento e habilidade musical colaboram para que os jovens se interessem pela formação formal na música.

NOTA: Vale indicar que a coordenação da pós-graduação citada hoje, 2024, cabe a outro profissional.

8) Empreendedorismo é um dos motivos centrais do trabalho que vem desenvolvendo, tanto na coordenação da pós-graduação e ações paralelas, mas você ainda divide atenções com a prática letiva, pedagógica e como instrumentista. Qual a importância da diversificação para o músico? E até quanto dedicar-se com mais afinco a uma área é um cuidado necessário?

Eu sempre atuei em mais de uma frente de maneira efetiva. Percebi com o tempo que eu havia criado uma metodologia de gestão do meu tempo de modo que tudo fosse o mais efetivo e produtivo possível. Eu vim descobrir com o tempo que toda essa dinâmica é característica de um empreendedor. O salto para a minha atuação como um empreendedor na música – no sentido mais difundido da palavra – foi por uma questão de necessidade e oportunidade. Obviamente que alguma coisa fica desassistida e no caso, por escolha, eu reduzi a minha atuação como acadêmico pesquisador. Recebi vários convites para atuar em universidades públicas, ainda sou chamado para bancas de mestrado e doutorado, mas decidi não seguir como carreira. O foco está na realização artística da minha pesquisa musical.

9) Todo músico precisa ser empreendedor? Empreender é mais que apenas desenvolver uma marca de produtos ou projeto? Empreender em nome próprio é empreender bem? Como a pós-graduação auxilia nessa questão?

Empreender é similar a compor, você inicia com uma ideia, busca os recursos possíveis para o desenvolvimento dessa ideia, faz correções, conclui a obra e realiza a sua execução. Empreender – mais uma vez no sentido difundido da palavra – também funciona assim. Como eu havia dito, eu sempre empreendi. No início era para a organização e efetivação do meu tempo, depois para a geração de conhecimento para a minha própria formação, como no caso da criação do IRSA – Intl. Rhythmic Studies Assossiacion, em que realizamos sete encontros internacionais. Recentemente eu comecei a empreender para viabilizar a minha carreira artística. Sendo assim, empreender para o que quer que seja sempre será por uma razão ou motivação pessoal. A Pós-Graduação do Souza Lima oferta para o estudante a oportunidade de se organizar como empreendedor a partir da demanda e necessidade do mercado. O dinheiro está na mesa, as gravadoras não mais dominam a ponta, os produtores tornaram-se parceiros, resta ao músico encontrar a sua proposta de valor e ofertar ao seu público – leia-se como seu público todo o tipo de consumidor, de fã a contratante.

10) Como avalia o mercado fonográfico hoje? Sem produtos físicos pela primeira vez na história de pouco mais de cem anos. Patinando sobre a questão do streaming. Como um futuro músico pode se preparar?

O mercado fonográfico se reergueu, o streaming deu certo. Podemos fazer um paralelo: as plataformas digitais como Spotify e Deezer são as lojas – são inclusive chamadas assim pelas agregadoras – e as playlists são as rádios. Criou-se com isso uma outra forma de jabá, a majors ficaram mais poderosas, são elas os principais acionistas das plataformas digitais cujo maior custo operacional é justamente o pagamento do royalties que volta para as próprias gravadoras. Ainda assim, o músico tem pela primeira vez a oportunidade de viabilizar a sua obra de forma independente, de encontrar o seu público e direcioná-lo, sem nenhuma diferença de uma gravadora. Essa é a questão principal para a emancipação do músico como CEO da própria carreira.

Caríssimo amigo Marcelo Coelho, agradeço a entrevista. Parabéns pela sua história. 

A contribuição com uma nova geração de músicos profissionais, melhor formada, mais informada, é um legado que com certeza temos em comum.

Grande abraço

Entrevista realizada por e-mail dia 02 de agosto de 2018, revisado e republicado em seis de junho de 2022.

#VemProSouzaLima

Pós Graduação
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João Marcondes é compositor, arranjador, produtor musical e um dos maiores educadores musicais do Brasil. Possui mais de cinquenta livros lançados, metodologias completas, e cursos aprovados no MEC e Secretaria da Educação. É gestor educacional e empreendedor. Tem mais de mil artigos publicados falando sobre música. E aqui, no Blog Souza Lima mais de dez milhões de leituras em seus textos.